sábado, 19 de setembro de 2015

O Cruzeiro e o povo: histórias de uma nação!

A primeira partida realizada oficialmente pelo Cruzeiro aconteceu no dia 03 de abril de 1921, contra um combinado de Palmeiras e Villa Nova. O então Palestra Itália venceu por 2 a 0 no antigo estádio localizado no bairro do Prado. No entanto, o que chamou a atenção, não foi apenas o placar da vitória na estreia: o estádio tinha capacidade para 1500 pessoas, e o público que pagou ingresso e compareceu naquele domingo foi de exatamente 1500 presentes. Começava o Cruzeiro a formar uma identidade e marcar seu espaço como clube do povo de Minas Gerais.
Os jogos do então Palestra Itália sempre atraíam grandes públicos, uma vez que além dos imigrantes e seus descendentes, o clube chamou a atenção das camadas mais humildes, que com ele se identificava devido as origens e caráter aristocrata de outros clubes da capital. Nascia assim uma empatia entre o povo da cidade de Belo Horizonte, sobretudo os moradores da periferia da capital, com o clube da classe trabalhadora. Em algumas décadas, o Cruzeiro se tornaria o clube mais amado por todas as classes, admirado por todo o estrato social sobretudo pela história que construiu, extrapolando inclusive os limites de Minas Gerais e do Brasil e sobrevivendo a uma Guerra Mundial.
E este povo passou a ter por este clube uma devoção. Isto incomodava as elites dirigentes da cidade, uma vez que italianos eram mal vistos na capital por serem pobres e terem fortes ligações com o movimento anarquista. Visando melhores condições de vida, numerosas e significativas greves operárias foram organizadas por estes imigrantes, e estas também fizeram com que eles ganhassem a admiração das camadas mais pobres da cidade, que entre outras coisas, se solidarizava com os imigrantes por questões sociais. Por outro lado, estas atitudes dos imigrantes e da população mais carente eram mal vistas pela elite dirigente da capital mineira.
O mundo vivia o período entre duas guerras mundiais. Getúlio Vargas, ditador e simpático as ideias fascistas, tinha como intenção, por meio de uma política populista, controlar os trabalhadores brasileiros. Vargas mandou fechar sindicatos e partidos políticos, sendo que a maioria destes sindicatos haviam sido fundados por imigrantes italianos. Não demorou e estas medidas influenciaram no futebol.
Havia na cidade um clube que atraía a paixão destas camadas mais pobres. Isto causava preocupação nas autoridades. Vargas, antes amigo de Mussolini e Hitler, simplesmente “vira folha” em plena II Guerra Mundial e decide entrar em guerra contra o Eixo. O presidente baixou um decreto-lei que proibia a existência de qualquer referência a nacionalidade italiana. Mesmo com a camada italiana e descendente sendo parte considerável da cidade, tudo levava a crer que seria o fim do clube do povo. No entanto, o Palestra Mineiro já havia deixado de ser um clube apenas identificado com a colônia italiana há décadas. O Palestra já havia ganhado a admiração da população periférica da cidade.

A II Guerra Mundial ocorreu entre os anos de 1939 e 1945, e neste intervalo, o Cruzeiro se consagrou campeão da cidade em 1940, 1943, 1944 e 1945. Enquanto tentavam acabar com o Palestra, o clube levantava taças. Isto se tornou uma sina em sua história. Entretanto, a sede do Palestra e as casas de seus torcedores foram apedrejadas, torcedores foram reprimidos e perseguidos na capital mineira. Queriam de todas as formas destruir o Palestra. Além da xenofobia, havia a inveja. A solução encontrada para a fuga da repressão do governo e para a sobrevivência foi a mudança de nome. O Palestra Mineiro se metamorfoseou em Cruzeiro. Surgia ali uma das maiores identidades e sintonias entre um clube e uma torcida já vistas no planeta. O Cruzeiro foi e será eternamente carregado nos braços deste povo.
Mas no futebol, na peleja dos gramados, nem tudo foram glórias. Mesmo tendo se tornado um gigante das Américas, o Cruzeiro também viveu momentos difíceis em sua trajetória. Em contrapartida, foram justamente em momentos difíceis que a torcida pôde mostrar sua grande devoção.
Fazendo um recorte no tempo, vamos rememorar três momentos difíceis. O final da década de 40 e a década de 50 foi uma fase terrível no futebol estrelado. O Cruzeiro conquistou apenas os mineiros de 1956 e 1959. Belo Horizonte nesta época recebeu milhares de migrantes oriundos das cidades do interior de Minas, que vieram trabalhar nas indústrias da capital, na então “Cidade Industrial”, obras estas estimuladas pelo governo Juscelino Kubitscheck, inclusive, grande cruzeirense. 

Esta nova leva de operários tinham no futebol uma grande forma de diversão. Milhares deles, mesmo sem as conquistas, se identificaram com o Cruzeiro. O clube voltou a vencer. Levantou um tri e um penta mineiro na década de 60. Ganhou pela primeira vez o campeonato brasileiro, tudo isto em sintonia com o surgimento do Mineirão. E o resultado disso em termos populares? Pela primeira vez na história dos campeonatos brasileiros, um clube de Minas Gerais conseguia as maiores médias de público do Brasil nos anos de 1966 e 1969. 
Após esta façanha, o Cruzeiro viveu outro período dramático. Entre os anos de 1978 e 1990, vieram três minguados campeonatos mineiros. Se a torcida do Cruzeiro fosse apenas alimentada por títulos, certamente teria desaparecido neste período. Mas o efeito foi o contrário. Atravessando praticamente toda a década de 80 sofrendo com o time, na década de 90 a torcida do Cruzeiro mostrou novamente sua devoção alucinada: na supercopa de 1992, a média de público da torcida do Cruzeiro chegou a 73.126 torcedores por jogo, a maior média de público do mundo na época. Que fenômeno, como explicar tal paixão? E no embalo, no mesmo passo, em 1997 esta torcida colocou mais de 150 mil pessoas no Mineirão, mais de 20 mil do lado de fora simplesmente porque não conseguiram entrar!

Apenas mais um recorte e logo após uma reflexão: em 2011, o que a torcida do Cruzeiro fez na Arena do Jacaré, para salvar o time da degola, foi digno de uma das maiores humilhações sofridas por um rival na história do futebol que se converteu naqueles monstruosos 6 a 1 eternos. A torcida salvou o clube nos braços, empurrou o clube na beira do precipício e nos livramos de uma das maiores humilhações para os gigantes do futebol que é cair de divisão aplicando uma das maiores humilhações em nosso rival local no grito da torcida.
A história da torcida do Cruzeiro reserva estes momentos que se tornaram iluminados pelos feitos da própria torcida, mesmo quando o elenco de jogadores não fez jus a camisa mais linda do mundo. Esta torcida moveu o time para se tornar um dos maiores do continente, atravessou oceanos, trabalhou em obras, superou perseguições, sobrepujou Guerra Mundial, resistiu a escassez de vitórias e se tornou a síntese da população de um Estado, multiétnica, com pessoas de todas as classes unidas em prol de um único comum: viver este clube que é um fenômeno da natureza, uma explosão azul suprema que atravessa a história e explode no brilho de uma constelação estampada nos céus da América do Sul.
A história do Cruzeiro se resplandece em um clube envolto a uma paixão que atravessou continentes e guerras. O Cruzeiro é uma entidade comandada por milhões.
Incrível, viramos milhões! 8 milhões que ostentam uma farda azul e branca! Imaginaram isto os imigrantes que trabalharam erguendo a cidade de Belo Horizonte no início do século? Ou aqueles que tentaram destruir o Palestra na década de 40?
A torcida do Cruzeiro é um muro de concreto, ruim de derrubar. É só olhar para a história...
Cruzeiro, o time do povo!

Geovano Chaves

Setembro de 2015

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