O Cruzeiro e o povo: histórias de uma nação!
A primeira partida realizada oficialmente pelo Cruzeiro aconteceu no dia 03 de abril de 1921, contra um combinado de Palmeiras e Villa
Nova. O então Palestra Itália venceu por 2 a 0 no antigo estádio localizado no bairro do
Prado. No entanto, o que chamou a atenção, não foi apenas o placar da vitória
na estreia: o estádio tinha capacidade para 1500 pessoas, e o público que pagou
ingresso e compareceu naquele domingo foi de exatamente 1500 presentes.
Começava o Cruzeiro a formar uma identidade e marcar seu espaço como clube do
povo de Minas Gerais.
Os jogos do
então Palestra Itália sempre atraíam grandes públicos, uma vez que além dos
imigrantes e seus descendentes, o clube chamou a atenção das camadas mais
humildes, que com ele se identificava devido as origens e caráter aristocrata
de outros clubes da capital. Nascia assim uma empatia entre o povo da cidade de
Belo Horizonte, sobretudo os moradores da periferia da capital, com o clube da
classe trabalhadora. Em algumas décadas, o Cruzeiro se tornaria o clube mais amado por todas as classes, admirado por todo o estrato social sobretudo pela história que construiu, extrapolando inclusive os limites de Minas Gerais e do Brasil e sobrevivendo a uma Guerra Mundial.
E este povo
passou a ter por este clube uma devoção. Isto incomodava as elites dirigentes
da cidade, uma vez que italianos eram mal vistos na capital por serem pobres e
terem fortes ligações com o movimento anarquista. Visando melhores condições de
vida, numerosas e significativas greves operárias foram organizadas por estes
imigrantes, e estas também fizeram com que eles ganhassem a admiração das
camadas mais pobres da cidade, que entre outras coisas, se solidarizava com os imigrantes por questões sociais. Por outro lado, estas atitudes dos imigrantes e
da população mais carente eram mal vistas pela elite dirigente da capital
mineira.
O mundo vivia
o período entre duas guerras mundiais. Getúlio Vargas, ditador e simpático as
ideias fascistas, tinha como intenção, por meio de uma política populista,
controlar os trabalhadores brasileiros. Vargas mandou fechar sindicatos e
partidos políticos, sendo que a maioria destes sindicatos haviam sido fundados
por imigrantes italianos. Não demorou e estas medidas influenciaram no futebol.
Havia na cidade
um clube que atraía a paixão destas camadas mais pobres. Isto causava
preocupação nas autoridades. Vargas, antes amigo de Mussolini e Hitler, simplesmente
“vira folha” em plena II Guerra Mundial e decide entrar em guerra contra o Eixo.
O presidente baixou um decreto-lei que proibia a existência de qualquer referência
a nacionalidade italiana. Mesmo com a camada italiana e descendente sendo parte
considerável da cidade, tudo levava a crer que seria o fim do clube do povo. No
entanto, o Palestra Mineiro já havia deixado de ser um clube apenas
identificado com a colônia italiana há décadas. O Palestra já havia ganhado a
admiração da população periférica da cidade.
A II Guerra
Mundial ocorreu entre os anos de 1939 e 1945, e neste intervalo, o Cruzeiro se
consagrou campeão da cidade em 1940, 1943, 1944 e 1945. Enquanto tentavam
acabar com o Palestra, o clube levantava taças. Isto se tornou uma sina em sua
história. Entretanto, a sede do Palestra e as casas de seus torcedores foram
apedrejadas, torcedores foram reprimidos e perseguidos na capital mineira. Queriam
de todas as formas destruir o Palestra. Além da xenofobia, havia a inveja. A
solução encontrada para a fuga da repressão do governo e para a sobrevivência
foi a mudança de nome. O Palestra Mineiro se metamorfoseou em Cruzeiro. Surgia
ali uma das maiores identidades e sintonias entre um clube e uma torcida já
vistas no planeta. O Cruzeiro foi e será eternamente carregado nos braços deste
povo.
Mas no
futebol, na peleja dos gramados, nem tudo foram glórias. Mesmo tendo se tornado
um gigante das Américas, o Cruzeiro também viveu momentos difíceis em sua
trajetória. Em contrapartida, foram justamente em momentos difíceis que a
torcida pôde mostrar sua grande devoção.
Fazendo um
recorte no tempo, vamos rememorar três momentos difíceis. O final da década de
40 e a década de 50 foi uma fase terrível no futebol estrelado. O Cruzeiro
conquistou apenas os mineiros de 1956 e 1959. Belo Horizonte nesta época
recebeu milhares de migrantes oriundos das cidades do interior de Minas, que
vieram trabalhar nas indústrias da capital, na então “Cidade Industrial”, obras
estas estimuladas pelo governo Juscelino Kubitscheck, inclusive, grande
cruzeirense.
Esta nova leva de operários tinham no futebol uma grande forma de
diversão. Milhares deles, mesmo sem as conquistas, se identificaram com o
Cruzeiro. O clube voltou a vencer. Levantou um tri e um penta mineiro na década
de 60. Ganhou pela primeira vez o campeonato brasileiro, tudo isto em sintonia
com o surgimento do Mineirão. E o resultado disso em termos populares? Pela
primeira vez na história dos campeonatos brasileiros, um clube de Minas Gerais
conseguia as maiores médias de público do Brasil nos anos de 1966 e 1969.
Após esta
façanha, o Cruzeiro viveu outro período dramático. Entre os anos de 1978 e
1990, vieram três minguados campeonatos mineiros. Se a torcida do Cruzeiro
fosse apenas alimentada por títulos, certamente teria desaparecido neste
período. Mas o efeito foi o contrário. Atravessando praticamente toda a década
de 80 sofrendo com o time, na década de 90 a torcida do Cruzeiro mostrou
novamente sua devoção alucinada: na supercopa de 1992, a média de público da
torcida do Cruzeiro chegou a 73.126 torcedores por jogo, a maior média de
público do mundo na época. Que fenômeno, como explicar tal paixão? E no embalo,
no mesmo passo, em 1997 esta torcida colocou mais de 150 mil pessoas no
Mineirão, mais de 20 mil do lado de fora simplesmente porque não conseguiram
entrar!
Apenas mais um
recorte e logo após uma reflexão: em 2011, o que a torcida do Cruzeiro fez na
Arena do Jacaré, para salvar o time da degola, foi digno de uma das maiores
humilhações sofridas por um rival na história do futebol que se converteu
naqueles monstruosos 6 a 1 eternos. A torcida salvou o clube nos braços,
empurrou o clube na beira do precipício e nos livramos de uma das maiores
humilhações para os gigantes do futebol que é cair de divisão aplicando uma das
maiores humilhações em nosso rival local no grito da torcida.
A história da
torcida do Cruzeiro reserva estes momentos que se tornaram iluminados pelos
feitos da própria torcida, mesmo quando o elenco de jogadores não fez jus a
camisa mais linda do mundo. Esta torcida moveu o time para se tornar um dos
maiores do continente, atravessou oceanos, trabalhou em obras, superou
perseguições, sobrepujou Guerra Mundial, resistiu a escassez de vitórias e se
tornou a síntese da população de um Estado, multiétnica, com pessoas de todas
as classes unidas em prol de um único comum: viver este clube que é um fenômeno
da natureza, uma explosão azul suprema que atravessa a história e explode no
brilho de uma constelação estampada nos céus da América do Sul.
A história do
Cruzeiro se resplandece em um clube envolto a uma paixão que atravessou
continentes e guerras. O Cruzeiro é uma entidade comandada por milhões.
Incrível,
viramos milhões! 8 milhões que ostentam uma farda azul e branca! Imaginaram
isto os imigrantes que trabalharam erguendo a cidade de Belo Horizonte no
início do século? Ou aqueles que tentaram destruir o Palestra na década de 40?
A torcida do
Cruzeiro é um muro de concreto, ruim de derrubar. É só olhar para a história...
Cruzeiro, o time do povo!
Geovano Chaves
Setembro de 2015
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