Cruzeiro, o clube
do povo de Minas Gerais!
Das origens a
formação do Império.
O Cruzeiro foi fundado pelo povo que, por sua vez, construiu a cidade de
Belo Horizonte, nos braços e no suor. O Cruzeiro levou o nome de Belo Horizonte
para o mundo. O Cruzeiro é a cara multiétnica de todo um Estado que é a síntese
de um país. O Cruzeiro é um povo.
Tudo se iniciou no fim do século XIX e início do XX, quando milhões de
imigrantes muito pobres vieram trabalhar no Brasil fugindo das condições de
vida precárias e miseráveis que afligia a Europa nos antecedentes da I Guerra
Mundial. Muitos destes imigrantes, na sua grande maioria italianos, se
instalaram na capital mineira. Eles vieram atraídos pela Comissão Construtora
da Nova Capital, sob a liderança do Engenheiro Francisco Bicalho, que
impulsionou a vinda destes imigrantes, a partir de 1895. A construção da cidade
demandou um exército de operários para a edificação da infraestrutura e dos
edifícios públicos e a imigração foi o recurso utilizado por Bicalho para sanar
o problema da mão de obra. Uma hospedaria de imigrantes foi erguida às margens
do ribeirão Arrudas para receber os trabalhadores.
Estes imigrantes foram a principal mão de obra que, em conjunto com os
ex-escravos recém abolidos, trabalharam pesado na construção civil e levantaram
uma das maiores metrópoles brasileiras. Os então futuros atletas e torcedores
do Palestra Itália construíram a cidade onde talvez nunca imaginaram que, mais
de um século depois, seriam dela, ao menos no plano futebolístico, os detentores
da maioria dos corações belo-horizontinos e mineiros.
Este fato é tão impactante que gerou a seguinte situação: se tratando de
amor, o maior concorrente destes corações azuis em Minas Gerais não se traduziu
em outro clube de futebol, e sim em uma religião. É o cristianismo nosso maior
rival, que disputa conosco os corações, pois este, sem dúvida, é também muito
popular em Minas Gerais desde sempre. No entanto, ao nosso lado temos o fato de
que, para muitos, estas duas devoções podem ser conciliadas. Tivesse o Cruzeiro
que rivalizar os corações e paixões com o cristianismo, teríamos aí sim talvez
um rival à altura.
O futebol, a princípio, era um esporte voltado para a diversão das elites,
pois é um entretenimento que surgiu por meio desta classe social. O futebol não
atingia a princípio a classe pobre e trabalhadora. Em Belo Horizonte, inclusive
para se diferenciarem da então “ralé carcamana” da cidade, já existiam alguns “Scratchs”, como eram chamados os clubes
de futebol. Um destes clubes, que hoje é conhecido dentro da Avenida do
Contorno, foi fundado por estudantes ricos de Belo Horizonte, que tinham como
intenção praticarem um esporte que os “diferenciava” dos pobres. A maioria
esmagadora da população de Belo Horizonte era analfabeta, e estes estudantes
tinham um enorme preconceito contra a “ralé carcamana” que se instalou na periferia
da capital, local este onde habitavam os imigrantes pobres. Mal sabiam estes
distintos estudantes que, com estas atitudes elitistas, estariam eles criando o
maior pesadelo para seus descendentes.
Mas com o decorrer dos anos, o futebol começou a se popularizar. Esporte
barato e que podia reunir dezenas de pessoas se divertindo ao mesmo tempo. Com
a popularização do futebol, os imigrantes pobres se viram no direito de também
participarem do esporte bretão.
Neste sentido, o clube Yale (extinto na década de 20) e o Palestra
Itália se tornaram clubes exclusivos para os imigrantes, mas não era
necessariamente proibido para negros (como membros da imprensa de penas
arrotam), e sim para qualquer outra pessoa que não fosse da colônia italiana,
que era uma resposta dos imigrantes pobres a elite da cidade. Por conta disso,
a popularidade do Palestra cresceu, o clube ganhou a admiração de toda a cidade
pelo seu desempenho em campo, e logo foi liberada a participação de todas as
nacionalidades no clube. O primeiro atleta de futebol negro registrado e
documentado na antiga FMF foi Bento, em 1926, jogador palestrino. O Palestra
Itália se tornou multiétnico, nascia ali as bases da maior, mais popular e mais
historicamente incrível torcida de Minas Gerais.
Enquanto a maioria esmagadora dos jogadores do Palestra eram analfabetos
e pobres, jogadores de outros clubes pertenciam a famílias ricas da cidade. O
Palestra lhes assombrava. Logo na sua segunda partida, o Palestra emplacou logo
um 3 x 0 no clube da que hoje é conhecido apenas no interior da Avenida do
Contorno. Foi uma espécie de povo x playboys este jogo. Este fato contribuiu para
que o Palestra se tornasse o clube mais popular de BH, que inclusive ganhou o
apoio da maioria dos habitantes da cidade até a década de 40, quando o ditador
Vargas e a política da II Guerra fez com que imigrantes fossem perseguidos no
Brasil. Não apenas forçaram o Palestra a mudar de nome. Tentaram destruir o
Palestra. Apedrejaram sua sede, perseguiram seus torcedores. Hoje, tentam
transformar a mudança de nome de Palestra para Cruzeiro como algo pejorativo. É
porque tentaram durante décadas esconder esta história. Mas como é marca da
trajetória deste clube, as voltas por cima são sempre bem dadas.
Durante a II Guerra Mundial, o Palestra viveu um dos seus momentos mais
difíceis, mas como era destino deste clube imperar sobre este Estado, os
palestrinos resistiram, a torcida segurou a “bronca” e assim estes torcedores ultrapassaram
as décadas de 40 e 50 na raça e, nos anos 60, após tudo que o Palestra viveu
para se tornar Cruzeiro, chegava a hora dos deuses do futebol brindarem esta
torcida com o maior esquadrão futebolístico que o Estado de Minas Gerais já
presenciou. Os tostões que os antigos imigrantes vieram buscar trabalhando na
construção civil da cidade não vieram no formato moeda como eles esperavam, e
sim no formato jogador de futebol. Minas Gerais estava tomada de vez e marcada
para sempre com o segundo ser que levou o seu nome a ser conhecido no Mundo
todo depois do barroco Aleijadinho. Após o Cruzeiro, outros conseguiram esta
façanha, como Sepultura e João Guimarães Rosa, por exemplo. Mas no futebol,
apenas um fez isso. Quanto orgulho, porque foi na raça, o Palestra sobreviveu a
guerra e se tornou Cruzeiro, o clube do povo.
Com a inauguração do Mineirão, já na era Cruzeiro, a popularidade do
clube aumentou de forma assustadora, “esta torcida cresce tanto que mais parece
uma China Azul”, disse um torcedor de um clube regional à época. Cruzeiro e
Mineirão formaram uma simbiose, é possível sentir o cheiro do bafo da Raposa
caminhando em seus entornos. O Mineirão foi
feito por operários para ser a casa dos operários que fundaram aquele que
levaria o nome do Estádio para o mundo.
O Cruzeiro surgiu em Belo Horizonte que por sua vez é uma cidade formada
por migrantes e imigrantes. O amor pelo Cruzeiro se espalhou como suas estrelas
no céu pelas terras de Minas Gerais, surgiu uma constelação de loucos
alucinados que empurraram o clube para se tornar uma das maiores potências
futebolísticas do continente e planeta. As décadas seguintes cravaram o nome
Cruzeiro na história do futebol mundial.
A torcida do Cruzeiro ama o que ela é e o que ela conquistou. Amamos
nossos títulos e temos sede de novos. Em tempos de guerra, sobrevivemos. Em
tempos de escassez de títulos, como a década de 80, respondemos a penúria de
conquistas com a maior média de público do mundo em uma copa na década de 90. Nesta
mesma década, pudemos vivenciar uma invasão popular a nossa casa com mais de
160 mil pessoas dentro e nas imediações do estádio. Uma aglomeração humana espetacular.
Estava ali o povo. Nem os Inconfidentes conseguiram façanha semelhante. Isto é
a prova absoluta do que as centenas de operários do início do século
transformaram em 8 milhões de pessoas na atualidade. O Cruzeiro nunca se
resumiu a um clube de futebol. O Cruzeiro, na verdade, é a história da formação
de um povo que gira em torno deste clube. O Cruzeiro foi feito para o povo e
cada elemento deste povo leva o Cruzeiro nos braços como os imigrantes que
fundaram o clube levavam os tijolos que construíram a cidade que o Cruzeiro
reinaria. A sabedoria deste povo não engana, o Cruzeiro é um muro de concreto,
ruim de derrubar. Até tentaram, inclusive sob guerra. Mas aí está o Cruzeiro, a
maior instituição futebolística de Minas Gerais graças a força de um povo.
Saudações a todos corações do mundo que unidos formam uma constelação em
forma de clube de futebol que espelham 5 estrelas no peito e no céu ao mesmo
tempo.
Cruzeiro, tua estória é tão bonita, faz parte de nossas vidas, para os
nossos filhos nós vamos contar. Cruzeiro, tu és nossas vidas, nosso orgulho,
nossa alegria, e nada pode descrever, o sincero e imenso amor que sentimos por
você!
Em torno destas 5 estrelas e desta camisa azul, nós orbitamos.
Cruzeiro, clube do povo de Minas Gerais.
Geovano Chaves
Setembro de 2015.
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